
Na Antiga Grécia, como é do conhecimento de todos, a poesia e a estética tomavam lugar central no processo de educação. Homero, talvez o maior expoente deste período, tem seus poemas como base para a vida grega. A sua poesia se torna parte da cultura de modo a proporcionar a reflexão e donde se retiravam os modelos de vida.
Quer na figura dos heróis, quer na fala dos deuses, na Odisseia, por exemplo, carrega-se profunda substância moral. Em diálogo com outros deuses, reflete o próprio Zeus que “Meus caros, os homens costumam incriminar os deuses. De nós, dizem, vem o males. Não consideram que eles padecem aflições por desmandos próprios, contrariando Moros”.
Parece impossível, neste período, afastar literatura, educação e moralidade. Este processo que, provavelmente, se deu com a chegada da modernidade, onde, em linhas gerais, o mito já havia perdido terreno desde séculos, agora a educação, com sua tendência cada vez mais técnica, obstaculizava qualquer proposta poética.
Assim, onde era impossível imaginar uma boa educação sem boa literatura temos uma separação que prima a técnica, a realidade bruta e teme o mito, tendendo a tratar literatura apenas sob caráter de entretenimento. Temos um desafio de enxergar, na literatura, uma ferramenta formativa, quer na sua importância para a educação formal, quer na importância para a educação moral. Aqui pretendo abordar a primeira das duas possibilidades levantadas.
Literatura e Educação
Para C.S. Lewis, alguns conteúdos devem ser transmitidos da melhor maneira que lhes cabe. Em Sobre Histórias faz-nos refletir, em um de seus ensaios, os motivos pelos quais se dedicou a escrita de contos de fadas. Para Jack este tipo de escrita era a que fazia jus ao que ele gostaria de escrever, do mesmo modo que uma valsa fúnebre pode ser escrita porque é o melhor meio com o qual o compositor pode compartilhar o que sente.
Na literatura há um espectro educativo e, tomando as palavras de Lewis, um tipo de instrução que lhe é característica. Frye aponta que a literatura, ao discutir imaginação, nos aloca em lugares diferentes para a observação da própria realidade – o aqui, o fato, está com o desejo, o esperado. A literatura seria um recurso para uma hermenêutica saudável, uma polaridade inevitável, para citar o psiquiatra e psicólogo romeno Jacob Levy Moreno.
Assim, a literatura e a educação não apenas podem se manter juntas, mas devem. A linguagem técnica não consegue iluminar a realidade por si mesma.
Tolkien congrega três efeitos experimentados com a literatura – e pensando em Lewis, adiciona-se “boa literatura”. São eles: a recuperação, que nos traz de volta o deslumbre e a admiração com o mundo e as coisas que existem. Aqui, especificamente na admiração como deslumbramento com o mundo, concordo com Bornheim, como sendo o primeiro passo para a a reflexão filosófica.
Em segundo lugar, o escape, que diz respeito ao modo com que a literatura pode colocar você sob a luz de novas perspectivas, saindo das sombras dos dados brutos e comuns. É importante mencionar que escape não significa escapismo, como bem diz Lewis, quando escreve Sobre três modos de escrever para crianças. Em terceiro lugar, consolo é, para Tolkien, o evangelium, a alegria final, a exultação produzida no fim do conto de fadas. Enquanto a tragédia vê no drama a sua expressão mais característica, na literatura fantástica estaria o fim alegre.
Para Tolkien, a literatura, assim como para Lewis e Frye, tem um sentido catártico, não apenas no sentido de expurgar os sentimentos da plateia, como no teatro grego ou como para Freud, mas reorganizar a própria experiência com uma nova perspectiva que não deixa na fantasia, mas traz para o real, onde se age dentro de seu espectro. Assim, a literatura ganha status de formadora, não apenas de entretenimento, pois é ferramenta frutífera para o enriquecimento pessoal.
Conclusão
A literatura, então, nos concede uma possibilidade educativa que vai para além do caminho técnico comum. Os detetives e dragões, os diálogos entre Romeo e Mercúrio, a insistência de Odisseu, o pedalar do estafeta Homero, todo o mistério da Utopia, são veículos formadores no processo educativo – sendo tomado aqui em sentido lato, contínuo.
Deste modo resta-nos pensar no conteúdo formador desta educação. A estética aguça os sentidos, mas o conteúdo instrutivo, a perspectiva, a pessoa do autor que transborda no escrito, aguça o que? Nestas coisas precisamos nos debruçar para não termos a literatura pela literatura. Se é importante perceber seu valor formador, é tão importante quanto pensarmos no que ela está formando, mas isso guardaremos para outro momento.
Resta levantarmos a bandeira da produção mais uma vez, e não apenas da produção, mas da participação, em grau de importância, da literatura na educação de crianças, jovens e adultos. Seria infrutífero levantar qualquer discussão para não se chegar em lugar nenhum. A nossa própria formação intelectual deve passar pelas vias da literatura e, neste sentido, temos mais que uma nota fria, mas uma epopeia.